postheadericon Impactos da Afasia


EM: Eu tô entendendo duas coisas aí: o afásico, mesmo quando ele pode falar, consegue falar, ele silencia?
CI:   Silencia.
EM:  Ele prefere não falar? Mesmo quando ele consegue falar?
CI:   Não, porque ninguém pergunta pra ele!
EM:  Porque também ninguém fala com ele?
CI:   Ninguém se interessa!

Impactos da afasia na comunicação
Levando em conta o papel crucial que tem a linguagem em todas as atividades e facetas de nossa vida (social, afetiva, ocupacional, mental, etc.), não é difícil imaginar o impacto das afasias nas ações comunicativas, interativas e interpretativas com as quais lidamos cotidianamente e que nos dão identidade pessoal e reconhecimento social. Por derivar de uma lesão cerebral de extensão e gravidade variadas, não é raro que as afasias sejam acompanhadas também de outras dificuldades de origem neurológica, como paralisia parcial de mãos, braços e pernas ou alterações da atividade gestual.

Não são apenas os afásicos que têm dificuldades de comunicação...
Todos sabemos o lugar que a fala e a escrita ocupam em nossas múltiplas atividades de comunicação. E não há quem não tenha vivido aquelas situações em que a palavra nos foge e ficamos com a sensação de que ela está na “ponta da língua”, em que falamos mais ou menos do que gostaríamos ou deveríamos fazer, em que simplesmente perdemos o fio da meada bem no meio de uma narrativa e ficamos a dar voltas intermináveis em torno do tema, em que não estamos seguros sobre determinada forma de pronunciar ou escrever uma palavra, em que não conseguimos por um motivo ou outro entender parcial ou completamente o que estão a nos dizer, em que a memória nos trai e não podemos mais repetir ou lembrar o que nos foi falado, em que nos flagramos ou somos flagrados trocando de forma inesperada uma palavra por outra, em que somos considerados lentos demais ou rápidos demais para falar, em que interpretamos de maneira inadequada o que nos dizem ou escrevem, em que nossa maneira de falar ou escrever sofre restrições culturais preconceituosas... Todas essas situações estão longe de serem consideradas desviantes ou patológicas e fazem parte do funcionamento normal da linguagem e das condutas humanas. Elas nos mostram de maneira contundente duas coisas importantes: que ninguém é um falante ideal e que a comunicação humana é mesmo cheia de percalços. De todo modo, interagir com os outros e com o mundo é mesmo a nossa melhor aventura existencial. (Fontes: Morato, 2000, 2010; Morato et al., 2002).

Impactos da afasia na interação social

CI:  Porque a casa vivia cheia de gente, aí quando tive derrame cerebral...

Estados psico-afetivos como depressão, isolamento, agressividade ou frustração podem surgir em etapas e intensidades diferentes na vida da pessoa que se vê afásica. Naturalmente, essas reações não podem ser consideradas como distúrbios mentais. Como lembra Morato (2000),afetando sobremaneira a linguagem (oral e escrita) e por decorrência todos os processos afeitos a ela (a própria identidade, a afetividade, o papel social), não é difícil imaginar o impacto da afasia sobre a completa vida das pessoas que com ela passam a conviver: o sujeito afásico, seus familiares e amigos, todo o corpo social. É preciso lembrar que as afasias decorrem de lesão cerebral adquirida por sujeitos até então “normais” do ponto de vista de sua capacidade de usar a linguagem para vários propósitos.
Após o episódio neurológico, a qualidade de vida do sujeito afásico será proporcional à intensidade do impacto da afasia sobre ele. Naturalmente, a maneira como se lida social e subjetivamente com a afasia condiciona, de certa forma, a sorte dos que com ela convivem. Qualquer que seja o cenário, ele acaba por influenciar fortemente o processo de recuperação da linguagem ou a possibilidade de adaptação ou reinserção sócio-ocupacional de sujeitos afásicos. Nesse caso, a afasia deixa de ser apenas uma questão de saúde, uma questão linguística, uma questão cognitiva.” A afasia torna-se uma questão social” (Fonte: Morato, 2000).


Referências:
COGITES. Teses e dissertações. Disponível em: <http://cogites.iel.unicamp.br/p/teses-e-dissertacoes.html>.Acesso em: 01 de agos. de 2018.
MORATO, E. M. As afasias entre o normal e o patológico: da questão neuro(lingüística) à questão social. In: SILVA, F. L. da; MOURA, H. M. de M. (org.) Direito à fala: a questão do preconceito lingüístico. Florianópolis: Insular, 2000.
________ (org.). A semiologia das afasias: perspectivas linguísticas. São Paulo: Cortez, 2010.
________ et alSobre as afasias e os afásicos. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2002.
_________. Das relações entre linguagem, cognição e interação? algumas implicações para o campo da saúde. Linguagem em (dis)curso (Online), v. 16, p. 575-590, 2016.
_________. Processos de (des)legitimação linguístico-cognitiva: notas sobre o campo das patologias. Cadernos CEDES. Vol. 38, n. 105, p.159-178,2017.